Reinaldo José Lopes | Agência FAPESP – Um workshop realizado no Instituto de Química de Araraquara (SP), nos dias 9 e 10 de março, deu início aos trabalhos de dois Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) sediados na Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Os novos institutos, que deverão atuar pelos próximos seis anos, são o INCT-Datrem (Instituto Nacional de Tecnologias Alternativas para Detecção, Avaliação Toxicológica e Remoção de Contaminantes Emergentes e Radioativos) e o INCT-Bionat (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biodiversidade e Produtos Naturais). Ambas as iniciativas contam com apoio financeiro da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O INCT-Datrem congrega inicialmente 20 pesquisadores de instituições paulistas e 12 cientistas de outros estados, incluindo grupos da Universidade Federal de Sergipe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal da Grande Dourados (MS).
“Nossa proposta inicial era trabalhar com contaminantes que afetam a água, que ainda são um problema muito grande no país, mas acabamos percebendo que também há questões sérias ligadas à importação e exportação de produtos envolvendo os chamados micropoluentes”, disse a coordenadora do INCT-Datrem, Maria Valnice Boldrin Zanoni, professora no Instituto de Química da Unesp.
Essa categoria inclui itens tão diversos como resíduos de hormônios e fármacos, pesticidas, retardantes de chama e corantes, que podem ser prejudiciais à saúde humana e animal mesmo quando estão presentes em concentrações muito pequenas.
“São moléculas que podem estar na água, no esgoto doméstico e em efluentes industriais, por exemplo, e existe uma atenção cada vez maior das agências reguladoras em relação à presença delas. Se alguém tentar exportar um tecido que contenha certas aminas aromáticas [derivadas de corantes, são substâncias com efeito potencialmente cancerígeno], por exemplo, ninguém compra”, disse Zanoni.
“Para que o Brasil consiga ser competitivo no mercado internacional, é preciso se adequar a essa tendência da legislação internacional e é importante ter métodos validados para lidar com esses poluentes”, disse.
Com esse objetivo, a equipe do INCT-Datrem deve adotar uma abordagem “desde o berço até o túmulo”, segundo o vice-coordenador do instituto, Rodnei Bertazzoli, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Isso significa analisar tanto os processos que levam à liberação de tais moléculas no ambiente e em produtos industrializados quanto o ciclo de vida das substâncias e de seus derivados na natureza.
“Muitas vezes, o grau de toxicidade e os efeitos mutagênicos de determinada molécula são conhecidos, mas não se sabe o que ocorre com seus derivados – por exemplo, os que surgem quando aquela substância entra em contato com o cloro da água”, disse Zanoni.
Além dessa análise do ciclo de vida dos poluentes e de seus efeitos sobre organismos vivos, a equipe estudará ainda processos mais rápidos e baratos para detectar sua presença no ambiente, incluindo o desenvolvimento de sensores mais seletivos e específicos e novos reatores para o tratamento de água.
Na Unesp de Rio Claro, um dos grupos ligados ao INCT-Datrem também avaliará os efeitos de isótopos radioativos, área na qual tem experiência há muitos anos.
Biblioteca natural
O INCT-Bionat, por sua vez, tem como objetivo entender melhor o que sua coordenadora, Vanderlan Bolzani, classifica como uma “fábrica de moléculas fantástica”: os organismos da biodiversidade brasileira.
Bolzani citou as experiências positivas de bioprospecção no programa BIOTA-FAPESP – do qual é um dos coordenadores – como base importante para o trabalho do novo instituto.
Ela destacou que, apesar do enorme potencial da biodiversidade brasileira, e dos exemplos de empresas em diversos países com produtos de alto valor agregado baseados em espécies nativas na área farmacêutica ou de cosméticos, “infelizmente ainda não temos, no Brasil, exemplos de inovação radical, seguindo esses princípios”.
Bolzani espera que o novo INCT ajude a mudar esse quadro, tanto pelo esforço de obter mais conhecimento científico relevante quanto pelo objetivo de sistematizar o que já se sabe sobre o potencial da biodiversidade brasileira.
“Percebemos que, apesar da enorme diversidade de espécies no Brasil, os pesquisadores que trabalham com química de produtos naturais acabam muitas vezes estudando sempre as mesmas plantas”, disse.
Por isso, segundo ela, a ideia é criar uma grande base de dados reunindo as dezenas de milhares de estudos já publicados sobre o tema e, de preferência, disponibilizá-la aos interessados por meio da internet.
Um dos destaques do INCT-Bionat será o estudo de moléculas obtidas a partir de plantas medicinais do Nordeste, conduzido pelo vice-coordenador do instituto, Edilberto Rocha Silveira, da Universidade Federal do Ceará.
“Não podemos revelar ainda exatamente quais são as plantas, justamente por causa do potencial comercial”, explicou Bolzani. A análise de substâncias com promissor efeito antitumoral ficará a cargo de Leticia Lotufo, da USP.
Outra área crucial na indústria moderna de medicamentos, a biossíntese – ou seja, técnicas de produção de moléculas de interesse em organismos como bactérias e leveduras – será coordenada por Maysa Furlan, também da Unesp de Araraquara.
“Esse é um dos grandes gargalos da química de produtos naturais porque, sem isso, fica difícil obter as substâncias em grande escala”, disse Bolzani. Fazer novas coletas de espécies vegetais potencialmente úteis também está nos planos da equipe.
Modelos de inovação
Durante o workshop em Araraquara, os pesquisadores convidados para o evento debateram caminhos para ampliar o impacto do conhecimento científico produzido no país sobre a economia brasileira.
“Temos uma dificuldade grande em articular conhecimentos para montar o quebra-cabeças da inovação”, disse João Fernando Gomes de Oliveira, engenheiro mecânico da USP de São Carlos, vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências e membro do Conselho Superior da FAPESP.
Para Oliveira, tanto o chamado modelo linear da inovação quanto o modelo dito circular não estão mais dando conta da dinâmica atual que liga geração de conhecimento e crescimento econômico.
O modelo linear é representado pelos Bell Labs americanos, no qual a ciência básica supostamente levaria de forma natural a aplicações com potencial econômico.
O modelo circular é exemplificado pelo quadrante de Pasteur – do livro O quadrante de Pasteur – a ciência básica e a inovação tecnológica, de Donald E. Stokes (1927 – 1997). No livro, o cientista político propôs uma classificação das atividades de pesquisa e inovação, inserindo as atividades de pesquisa entre duas coordenadas: a primeira que dimensiona o avanço do conhecimento e a segunda, a sua aplicação.
“Um dos problemas é que a avaliação de pesquisas se baseia em indicadores de desempenho individual dos cientistas, o que gera um modelo que estimula mais a competição do que a colaboração, e a segunda é essencial para a inovação”, disse Oliveira, que foi diretor-presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de 2008 a 2012.
Ele destacou ainda a falta de visão estratégica – “no Brasil tudo é prioridade, portanto nada acaba sendo prioritário” – e a falta de instrumentos de longo prazo que garantam a continuidade de investimentos e de gestão necessários para a inovação bem-sucedida.