Antibióticos e Quimioterápicos: o fascinante e árduo passo a passo da pesquisa científica

Antibióticos e Quimioterápicos: o fascinante e árduo passo a passo da pesquisa científica

     Principal ponto turístico da cidade de São José do Rio Preto (SP), o Parque da Reserva Municipal oferece uma atração adicional além da água, das plantas e dos animais. Sua pista de corrida de quase três quilômetros é o lugar preferido dos que praticam esse esporte na região. Entre eles o pesquisador Luís Octavio Regasini, que corre quase todo dia para equilibrar as horas passadas em sala de aula e no laboratório. Nos dois espaços, sala de aula e laboratório, também há uma “corrida”, mas esta é marcada por prazos de relatórios, notas de alunos e resultados de pesquisa.

      Os resultados estão no Laboratório de Antibióticos e Quimioterápicos, LAQ, do qual Regasini é coordenador, no campus da UNESP de São José do Rio Preto. Criado em 2013, o LAQ cresceu nos últimos anos, ampliou o número de bolsistas e de projetos de pesquisa. “Percebo uma grande evolução dos graduandos, pós-graduandos e pós-doutorandos do grupo” observa. “Conseguimos compostos mais potentes, menos tóxicos e com grande visibilidade pelo setor de PDI da indústria farmacêutica e de agroquímicos. Estamos negociando uma transferência de ideia (produto) para uma indústria da área de cítricos, com absorção de dois doutores.”

      O trabalho do grupo começa a ganhar registro também fora do pais. A pesquisa realizada pela aluna de mestrado Marina Bastos dos Santos foi publicada em 2017 no European Journal of Medicinal Chemistry. Ela trata da síntese de chalconas, (compostos com propriedades bioativas encontrados em várias fontes vegetais, como o maracujá e o lúpulo da cerveja) que exibiram ação contra células tumorais de cães. O trabalho elucidou também o mecanismo de ação desses compostos, com a identificação de uma proteína supressora de tumores, “o que é totalmente inédito no espaço biológico”, observa.

No plano geral, o trabalho pode ser visto como uma ponte entre os compostos da natureza e os fármacos, cujos princípios ativos estão nos medicamentos

      “A natureza é uma fonte criativa e inesgotável de conhecimento químico”, diz Regasini, e lembra: são milhões de compostos conhecidos com propriedades biológicas muito interessantes e pouco exploradas.

      No entanto, aproveitar esse conhecimento para fins de utilidade humana não é simples. De forma esquemática, são quatro etapas, que podem se estender por períodos longos. Primeiro, a seleção de um protótipo – exige uma leitura extensiva e detalhada de tudo que já foi publicado a respeito por pesquisadores brasileiros e internacionais. Selecionado o protótipo, ele recebe inúmeras modificações químicas. Isso significa criar uma família de protótipos a partir do inicial. Os novos ganham o nome de “análogos” (há famílias de análogos com 50 a 100 membros e duas ou três gerações). Nessas gerações de análogos procura-se um composto mais ativo que o protótipo original.

      Em seguida vem uma das etapas mais lentas e difíceis, que é a purificação. O alvo é chegar a um alto nível de pureza, com o auxílio de técnicas de cristalização. É preciso então identificar corretamente a estrutura do composto e para isso é utilizada principalmente a Ressonância Magnética Nuclear, a mesma tecnologia empregada em exames clínicos. Ela fornece a “imagem” dessa estrutura.

      A quarta etapa envolve os ensaios biológicos e aqui o composto é testado frente a uma série de possibilidades, que podem ser células tumorais, bactérias causadoras de doenças, como a tuberculose, por exemplo, ou fungos que também afetam a saúde humana ou animal.

      No plano geral, o trabalho pode ser visto como uma ponte entre os compostos da natureza e os fármacos, cujos princípios ativos estão nos medicamentos.

      A grande base de conhecimento adquirida nas últimas décadas pela pesquisa científica mundial com produtos naturais abriu muitas “trilhas” que hoje servem de indicação para as novas gerações de cientistas. Entre as várias plantas estudadas pelo grupo do LAQ, algumas são consagradas na literatura pelo potencial que apresentam. Nas fontes de compostos protótipos usados com frequência estão, por exemplo, a curcumina, pigmento amarelo alaranjado presente no açafrão; as chalconas ou o cinamaldeído, responsável pelo aroma e sabor da canela. Partindo dessas bases, a pesquisa pode tomar diferentes direções.

      Ter participado da implantação e desenvolvimento do LAQ é motivo de orgulho para Regasini. “Foi um grande desafio. Dia após dia o laboratório foi se transformando em um laboratório de síntese e análise de compostos bioativos.” Vários fatores contribuíram para isso, mas há uma palavra-chave que ele destaca: colaboração. Cada resultado tem atrás de si a colaboração de outros pesquisadores, da própria UNESP ou de outras instituições, formando uma rede onde estão presentes farmacêuticos, químicos, bioquímicos, biólogos, e especialistas em análises clínicas. É com esse propósito que ele se vinculou, em 2014, ao INCT BioNat, Biodiversidade e Produtos Naturais, buscando consolidar ainda mais esses laços colaborativos. O grupo, além disso, participa de dois projetos temáticos internacionais, Brasil-Alemanha e Brasil-Holanda, apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP.

Reportagem: Carlos Martins

 

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O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biodiversidade e Produtos Naturais (INCT-BioNat) é uma rede de pesquisas interdisciplinares voltadas para a química de produtos naturais da biodiversidade brasileira. Essa rede é formada por 50 pesquisadores pertencentes a 16 universidades brasileiras e 2 Institutos. (veja mais informações aqui)

Os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia são centros de pesquisa criados em 2008 no âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação, que reúnem pesquisadores brasileiros e do exterior com o objetivo de mobilizar e agregar, de forma articulada, os grupos de excelência em áreas de fronteira da ciência e em áreas estratégicas para o desenvolvimento sustentável do país (veja mais informações aqui).