Na UFTM, em Minas Gerais, ciência e tecnologia para enfrentar doenças negligenciadas

Na UFTM, em Minas Gerais, ciência e tecnologia para enfrentar doenças negligenciadas

O sonho de Amanda Danuello Pivatto, pesquisadora da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), é chegar à descoberta de um composto ativo contra a Leishmaniose. Ambição legítima já que ela tem todas as condições para isso. A começar pela trajetória acadêmica. Ainda no curso de graduação, se apaixonou pela química medicinal. Depois, foi atraída pela pesquisa com produtos naturais. Ambas continuaram no roteiro da pós-graduação e na pesquisa feita na UFTM.

Hoje, aos 36 anos, dois filhos, é uma cientista que atua nessas duas frentes. Emprega tecnologias necessárias para sintetizar moléculas em laboratório, com alvos definidos, e domina os processos utilizados no campo dos produtos naturais, para identificar e testar compostos bioativos já existentes em plantas ou animais. “Atualmente tenho projetos na área de Química Medicinal e outros em Produtos Naturais, porém, na prática, não separo desta forma, as áreas se misturam”, explica.

É essa abordagem que ela utiliza na busca de novas alternativas terapêuticas para a Leishmaniose. A doença, transmitida pelo protozoário Leishmania através da picada de insetos, atinge humanos e animais e é responsável por milhares de mortes todos os anos, sobretudo nos países pobres. O trabalho com pesquisadores mineiros que fazem ensaios biológicos com a Leishmania levou-a a colocar o foco na busca de compostos com atividade contra a doença. Além do conhecimento científico, a tarefa requer uma estratégia.

“Quando pensamos em desenvolver novos compostos que possam se tornar medicamentos, principalmente para doenças negligenciadas como a Leishmaniose, a simplicidade é o primeiro critério a ser seguido. Um fármaco para este tipo de doença não pode ser de difícil isolamento de fontes naturais ou exigir etapas de preparação em laboratório muito complexas. Trabalho com sínteses simples e reagentes de baixo custo.” Essa visão se sustenta nos anos de pós-graduação que Amanda fez no Instituto de Química da Unesp de Araraquara (IQ-UNESP) e na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP de Ribeirão Preto (FCFRP-USP).

O trabalho visava desenvolver uma série de compostos com inspiração em um produto natural, da planta senna spectabilis, cujo nome popular é cássia-do-nordeste.

A linha do tempo volta para 2004 quando iniciou um projeto de pesquisa multidisciplinar, já com os dois enfoques, que hoje conta com a participação de vários alunos, de Araraquara e Uberaba. O trabalho visava desenvolver uma série de compostos com inspiração em um produto natural, da planta senna spectabilis, cujo nome popular é cássia-do-nordeste. O objetivo era identificar novos inibidores da enzima acetilcolinesterase, alvo importante nos esforços para controlar a doença de Alzheimer. Vários compostos foram preparados como candidatos a testes, sempre com a preocupação de apresentarem uma rota sintética simples. “Acabamos descobrindo outras atividades biológicas importantes, entre elas a atividade leishmanicida”, recorda.

Hoje, uma de suas alunas de mestrado, Letícia Masako Takahashi, utilizando técnicas computacionais de modelagem molecular para planejamento de fármacos, prepara em laboratório os compostos para serem avaliados quanto à atividade leishmanicida e toxicidade. Amanda cita Clarice Lispector: “Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho”.

O convite para participar do INCT BioNat, Biodiversidade e Produtos Naturais, em 2014, foi um impulso que chegou na hora certa. “Vi que poderia contribuir, exatamente pela minha formação mista Química Medicinal/Produtos Naturais”, diz, notando que a UFTM ainda tem poucos recursos para pesquisa e a participação no INCT abre caminhos para projetos inovadores e para a formação de novos pesquisadores.

O ingresso na UFTM, em 2013, trouxe a necessidade de assumir tarefas administrativas para alavancar o desenvolvimento da pós-graduação e da pesquisa na universidade. Amanda é coordenadora do Núcleo de Desenvolvimento de Compostos Bioativos, NDCBio, tarefa que divide com seus colegas. O Núcleo é uma plataforma do CNPq que reúne pesquisadores com diferentes aptidões para o trabalho com compostos bioativos. Além disso participa do Programa de Pós-Graduação Multicêntrico em Química de Minas Gerais (PPGMQ-MG), formado por oito instituições, no qual é vice-coordenadora geral.

Filha de um jogador de futebol e de dona de casa, teve na mãe, (“uma mulher inteligente, culta e que sentia muita falta dos estudos”), sua primeira incentivadora. Ela apontava para a importância de estudar e de ser independente, conselhos devidamente assimilados pela garota que “perguntava demais” nas aulas de catequese.

Reportagem: Carlos Martins

Veja também

Pesquisa do ICET, no Amazonas, busca
substâncias ativas contra a dengue, em parceria do INCT BioNat

 

QUEM SOMOS

O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biodiversidade e Produtos Naturais (INCT-BioNat) é uma rede de pesquisas interdisciplinares voltadas para a química de produtos naturais da biodiversidade brasileira. Essa rede é formada por 50 pesquisadores pertencentes a 16 universidades brasileiras e 2 Institutos. (veja mais informações aqui)

Os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia são centros de pesquisa criados em 2008 no âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação, que reúnem pesquisadores brasileiros e do exterior com o objetivo de mobilizar e agregar, de forma articulada, os grupos de excelência em áreas de fronteira da ciência e em áreas estratégicas para o desenvolvimento sustentável do país (veja mais informações aqui).

Reportagem: Carlos Martins