Universidade avalia perdas e procura caminhos para retomar atividades afetadas pelas crises

Universidade avalia perdas e procura caminhos para retomar atividades afetadas pelas crises

Pesquisadores e docentes das universidades brasileiras se deparam, neste segundo semestre de 2021, com o imperativo de enfrentar, ao mesmo tempo, as dificuldades trazidas pela pandemia do coronavírus e as perdas de recursos provenientes das agências federais de fomento. Um quadro marcado por incertezas e insegurança quanto ao próximo ano.

“Estamos na espera”, resume José Ângelo Zuanazzi, da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador integrante do INCT Bionat. Interrompido em março de 2020, o trabalho dos laboratórios sofreu perdas cujo alcance ainda não pode ser avaliado. Como é frequente no ensino da área farmacêutica, muitos dos experimentos consistem em ensaios biológicos, com material deteriorável, que não tiveram continuidade. Os correspondentes artigos científicos sobre os experimentos, por sua vez, deixaram de ser produzidos ou foram adiados.

A previsão de retomada das aulas práticas para novembro também se dá em um quadro inseguro com o imprevisível efeito da variante Delta do coronavírus. Os alunos não são obrigados a se vacinar e isso acrescenta um componente de risco. Muitos alunos da pós-graduação que moram no interior do Estado, aguardam um cenário mais claro para definirem seus compromissos de moradia em Porto Alegre.

Há também a preocupação com as consequências dos cortes de recursos para bolsas e para sustentação de equipamentos e manutenção das instalações. “O choque virá quando voltarmos ao laboratório”, considera.

Ele observa que nos últimos anos a Faculdade de Farmácia investiu em equipamentos de ponta para pesquisa que requerem manutenção periódica e não podem ficar inativos por muito tempo. Só o retorno às operações poderá mostrar quais foram as decorrências da interrupção. Com o agravante que a prestação de novos serviços de manutenção pelos fornecedores se dará em um momento no qual as verbas das agências federais foram reduzidas e o dólar sofreu forte valorização, isto é, os preços serão maiores.

Parcerias

Ana Jérsia Araújo, professora do curso de Medicina da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (PI) e membro do programa de pós-graduação em Ciências Biomédicas e em Biotecnologia, também convive com um grau de incerteza embora procure não abrir mão do otimismo: “Um dia de cada vez, tudo vai voltar ao normal”, afirma.

Com a emancipação obtida em 2018, a Universidade Federal do Delta do Parnaíba precisou ser mais rigorosa na administração do limitado orçamento, diz ela. A pandemia do coronavírus interrompeu todas as operações e a volta gradual dos alunos para as aulas presenciais se depara com a falta de recursos para implantar sistemas de ventilação, aplicar testes, distribuir álcool ou equipamentos de proteção individual. Com isso, a parte prática fica atrasada. “Estamos programando um semestre especial com período de aulas nas férias”.

Para o retorno gradual a participação do INCT Bionat está sendo fundamental, explica. Alguns grupos de pesquisa têm como único recurso a verba do INCT. Com ela são adquiridos produtos essenciais para trabalho de laboratório, como reagentes, meios de cultura ou anticorpos. Enquanto uma “caixinha” dos integrantes do laboratório responde por itens básicos como material de limpeza e reagentes mais específicos.

O momento trouxe também a necessidade de parcerias, essenciais para o desenvolvimento de projetos, como as feitas com a Universidade Federal do Ceará, Fiocruz/BA e Universidade de São Paulo. Neste caso, opta-se e por projetos de pesquisa convergentes onde se partilha instrumentação e reagentes mais caros para reduzir custos.

Esforço conjunto

O grupo de pesquisa coordenado por Cíntia Milagre, no Instituto de Química (Araraquara) da Universidade Estadual Paulista, busca formas de minimizar os impactos da pandemia e dos cortes de recursos de CTI. O pagamento de bolsas de estudo já em andamento foi mantido, mas para os alunos que participaram do processo seletivo a partir de setembro o número de benefícios foi insuficiente, explica. Assim, sem bolsas, alunos que não tinham condição de se manter financeiramente na cidade de Araraquara não se matricularam.

Aulas, exames de qualificação, processos seletivos, seminários se mantiveram no modo remoto emergencial. Nesse sentido, as perdas não foram muito grandes, considera. Mas durante oito meses, todas as atividades presenciais foram interrompidas. O esforço para manter reuniões de forma remota foi compensador, com resultado “bastante positivo”.

O retorno às atividades exigiu ações conjuntas de alunos, que adquiriram material de proteção individual para o trabalho em laboratório; de professores que, como Cíntia, compraram utensílios para criar novos espaços de convivência, como uma sala de café; e da instituição, que propicia um sistema de testes contínuo para a segurança dos alunos. “Teremos uma grande perda em termos de formação de recursos humanos e da qualidade dessa formação”, constata.

A expectativa de retorno às condições normais anteriores à pandemia passa por esse balanço que os responsáveis pelo ensino fazem no segundo semestre.

Poucos editais

“As atividades de pesquisa foram prejudicadas significativamente porque muitos cursos de pós-graduação pertencem a áreas em que o uso de equipamentos e a experimentação são essenciais e isso não pôde acontecer de forma contínua. Desde o início da pandemia, muitos trabalhos ficaram estagnados e alguns experimentos em andamento foram perdidos”. A avaliação está em processo, relata Jacqueline Takahashi, coordenadora do Laboratório de Biotecnologia e Bioensaios (LaBB) da Universidade Federal de Minas Gerais e integrante do INCT Bionat.

A manutenção periódica de fungos e bactérias, por exemplo, não pôde ser realizada e pode ter havido perda de algumas linhagens microbianas. Mas isso não deve prejudicar as pesquisas em andamento de forma expressiva. “Não tomei conhecimento de atrasos no pagamento de bolsas já implementadas”, acrescenta Já as perdas de aulas afetaram muito os alunos que estavam concluindo o curso de graduação, e os calouros, que não puderam ser recebidos adequadamente. O saldo negativo desse momento mostra também o atraso na defesa de teses, dissertações e monografias, gerando defasagem em relação a anos anteriores.

Os grupos de pesquisa preparam-se, ao mesmo tempo, para enfrentar a escassez de recursos pois “poucos editais foram abertos nesse período”. E os que foram abertos mostraram-se alvo de grande concorrência.

Takahashi enfatiza que a pandemia ativou uma forte mobilização em várias áreas da UFMG. Um ponto marcante desse esforço pode ser visto nas pesquisas que resultaram em vacinas contra o novo coronavírus. Uma delas, a SPINTEC, sob avaliação da ANVISA.