Além do esperado retorno às salas de aula, aos laboratórios e aos bandejões, os estudantes da pós-graduação no país terão em 2022 um ano marcado pela preocupação com a redução de oportunidades profissionais, em razão dos cortes de recursos para a área de C&T, o que assinala a necessidade de planejar a carreira.
Esse é o cenário mais frequente para alunos de doutorado nos cursos de pós-graduação, entre eles os vinculados ao INCT Bionat. No entanto, é possível ver também um otimismo resistente nas respostas sobre as expectativas para o próximo ano, que os entrevistados deram, por escrito, para esta última edição de 2021 da InfoBio. São seis integrantes da pós-graduação, doutorandos das Universidades Federais do Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul; USP de Ribeirão Preto e Unesp de Araraquara, com histórias particulares e pontos comuns. No conjunto, mostram uma firme e consciente opção pela carreira científica e, neste caso, de fazer ciência voltada para o conhecimento e aplicação da biodiversidade brasileira.
Plantas da Caatinga
“Mesmo com um futuro incerto, há medidas que podem ser tomadas para conseguirmos um planejamento adequado e eficiente, fundamental para a pesquisa científica”, diz Letícia Gondim Moreira, doutoranda do Programa de Ciências Farmacêuticas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN.
“Assim como eu, grande parte dos alunos teve seus trabalhos comprometidos ou interrompidos, especialmente os que necessitam ir a campo coletar amostras e material de estudo e que, na maioria dos casos, necessita dos recursos humanos, da infraestrutura e do transporte fornecidos pela Universidade.”
Para diminuir os atrasos provocados pela pandemia, o grupo da UFRN planejou um novo cronograma no qual atividades foram segmentadas para que cada etapa tivesse início, meio e fim dentro de um quadro de incertezas sobre financiamento e volta ao trabalho presencial.
Graduada em Farmácia, bolsista do CNPq, com 31 anos, Letícia traz da infância o interesse pelas plantas que se transformou, mais tarde, no interesse pela pesquisa em toxicologia e farmacologia. No doutorado, o foco é o estudo da biodiversidade química de espécies do gênero Erythroxylum, do bioma Caatinga e da Mata Atlântica com o objetivo de identificar novos alcaloides e avaliar seu potencial bioativo.
Saúde pública
Para a doutoranda Krissie Soares, cujo trabalho sobre óleos essenciais com atividade anti-inflamatória está em fase de conclusão, é preciso manter uma atitude positiva neste momento. Integrante do Programa de Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, ela é bolsista da CAPES, com 33 anos, e acredita que a pesquisa com produtos naturais pode ser uma fonte de soluções para as políticas de saúde pública contribuindo para a melhoria de vida da população.
“Ainda tenho expectativa de que nossa área da pesquisa evolua, pois sabemos o quanto ela está sendo atacada por muitos e desvalorizada”. Em 2021, em consequência da pandemia, estudos de laboratório foram perdidos e equipes sofreram cortes de recursos, resultando na interrupção de pesquisas. “Contudo, podemos ter esperança de recuperar esse tempo perdido, é claro, com muitas dificuldades. Talvez seja umas das tarefas mais difíceis dos pesquisadores, mas acredito que temos que nos unir para seguir em frente, e fazer a diferença, mostrar que a pesquisa tem força no Brasil.”
Contra a dengue
Já no término das etapas de laboratório, com defesa de tese marcada para 2022, Helena Mannochio Russo, do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista, Unesp, de Araraquara, está entre os que foram menos afetados pela crise de 2021.
“Apesar de todos os percalços da pandemia, posso dizer que a minha pesquisa não foi muito afetada e vou defender no prazo inicialmente estipulado”. O trabalho envolve a busca por substâncias com atividade larvicida contra o Aedes aegypti. No início de 2022 serão finalizados os testes aplicados em outros estágios de desenvolvimento do mosquito, acrescenta.
Atraída pela biodiversidade, Helena mudou sua escolha inicial pela síntese orgânica, que mantinha durante a graduação na Unicamp, e não tem dúvida sobre a decisão. Para isso pesou, sem dúvida, o estágio de seis meses feito no laboratório de Fitoquímica e Produtos Naturais Bioativos na Universidade de Genebra: “me apaixonei pela área de produtos naturais e tinha em mente que gostaria de trabalhar com PN na pós-graduação”.
Ela vê com preocupação os sucessivos cortes no orçamento das agências de fomento e a falta de reajustes das bolsas de estudo que torna cada vez mais difícil aos estudantes se manterem financeiramente, em particular quando precisam sair de suas cidades. “Se não há incentivo e nem mesmo bolsas no Brasil, muitas mentes brilhantes brasileiras vão buscar oportunidades em outros países”, avalia.
A era dos Big Data
A pós-graduação no IQ da UNESP de Araraquara também foi o caminho para Rafael Vieira, de 35 anos, em fase final da pesquisa com micro-organismos. A chegada ao doutorado não foi uma linha reta. Primeiro, a troca do curso de mestrado na área de ensino pelo mestrado em produtos naturais. Depois, o concurso e ingresso no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia – IFRO, campus Ji-Paraná, onde é docente e pesquisador. A ida para o Instituto Federal de Ji-Paraná, segunda cidade do Estado de Rondônia, foi uma escolha pouco usual para pesquisadores do sudeste, e ampliou a visão sobre a desigualdade regional quanto aos recursos empenhados em ciência e tecnologia. Ao mesmo tempo, abriu caminho para a pesquisa aplicada que colabora com os agricultores locais.
A necessidade do doutorado para continuar a vida acadêmica exigiu a volta temporária a Araraquara e ajudou a refletir sobre a evolução das tecnologias que devem afetar todos os pesquisadores nos próximos anos.
“Vejo que pesquisas envolvendo produtos naturais têm passado por uma transformação muito significativa com a chegada da química computacional e das ferramentas de quimioinformática na condução das análises dos dados”, observa.
Esse salto para a química dos Big Data, com profusão de informações manejadas por algoritmos e aprendizado de máquina, deve mudar a forma como se identifica moléculas de interesse nas plantas, assegura, reduzindo tempos e custos para chegar a medicamentos ou outros resultados.
Escolha difícil
A redução de recursos para as agências de fomento leva estudantes da pós-graduação a avaliarem alternativas para dar sequência a suas carreiras. Entre elas buscar oportunidades de pesquisa em outros países, quando isso é possível.
“Para dar continuidade à minha carreira e na esperança que a situação melhore nos próximos anos, atualmente estou tentando fazer o máximo de contatos aqui no exterior para cursar um pós-doutoramento. Porém, neste caso, todo conhecimento investido e adquirido ao longo dos anos, bem como a experiência obtida aqui não serão aplicados no Brasil, que foi de onde saíram os recursos para minha formação. Além disso, talvez a pesquisa desenvolvida até agora fique estagnada e não alcance maiores resultados”.
Thaiz Rodrigues Teixeira, 31 anos, é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas com ênfase em Produtos Naturais e Sintéticos na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, FCFRP-USP.
Atualmente dedica-se à pesquisa como bolsista em doutorado sanduíche no Scripps-Instituto de Oceanografia da Universidade da Califórnia de San Diego (UCSD). A área de trabalho de Thaiz Teixeira é um dos menos explorados e mais promissores espaços de pesquisa de produtos naturais que se abre aos jovens cientistas brasileiros. Ela investiga o potencial biotecnológico de organismos marinhos provenientes do continente Antártico. Tais organismos, que vivem em locais inóspitos, detêm mecanismos de adaptação muito sofisticados do ponto de vista bioquímico e são alvo de interesse na busca por novos medicamentos e cosméticos. Na bancada da pesquisadora estão substâncias com potencial fotoprotetor e antiparasitário sintetizadas pelo fungo Penicillium echinulatum, isolado de uma macroalga.
Aprendizado na pandemia
“A pandemia nos mostrou o quão é essencial nos organizarmos, planejar e cooperar nas adversidades. Portanto, acredito que 2022 continuará sendo um período de readaptação, mudanças e novas oportunidades.”
Bolsista da Capes, com 26 anos, a doutoranda Daisy Sotero Chacon, do Programa de Pós-Graduação de Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, está na metade de seu prazo para pesquisa, que deve se encerrar em 2023.
O início de seu doutorado coincidiu com o surgimento da pandemia do Covid-19, em março de 2020, e isso representou um atraso significativo principalmente nos experimentos de laboratório.
No entanto, as etapas do projeto que envolviam análises in silico, puderam ser feitas através da bioinformática, durante a permanência em casa. Assim, foi possível adiantar tarefas previstas para etapas futuras do projeto. Foi necessário um ano e meio para dar continuidade aos experimentos de laboratório que consistem na biossíntese de produtos naturais, alcaloides em particular.
“Acredito que a situação no próximo ano não deve se alterar de forma muito significativa em relação a 2021. Haverá oscilações provavelmente em números de casos de covid, gerando restrições sociais em alguns momentos. Mas, apesar de tudo, as boas expectativas superam”.
Em perfeita sintonia com seus colegas Daysi Chacon identifica a falta de recursos para C&T como o principal entrave para a pesquisa científica alcançar maior amplitude. Essa falta “impacta diretamente no resultado final dos projetos e torna mais difícil o caminho”, avalia.