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Gustavo Santos*
Proposta pelas Nações Unidas, a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030) tem como tema “A Ciência que precisamos para o oceano que queremos”.
Contemplados por sua imensidão azul, os oceanos ainda são pouco conhecidos e ostentam o título de “as últimas fronteiras terrestres a serem exploradas”. Esses gigantescos corpos d’água são vitais para a manutenção da vida na terra, pois capazes de ditar o futuro do clima no planeta. Produzem aproximadamente metade do oxigênio que respiramos e são fonte de alimento para milhares de pessoas ao redor do mundo.
Além disso, os mares e oceanos estão diretamente ligados ao modo de vida de diversas comunidades tradicionais costeiras, as quais utilizam seus recursos na alimentação, agricultura e na medicina popular. No entanto, após décadas de descarte inapropriado de resíduos, poluição e superexploração de recursos naturais, os oceanos estão em perigo e a degradação desse ecossistema trará consequências graves para a sociedade.
Portanto, o início da Década dos Oceanos deve servir como convite à reflexão e tomada de decisão por parte da comunidade científica, governanças e população. Diante deste cenário, iniciativas de divulgação científica são essenciais para mobilizar a população sobre quais benefícios oriundos dos mares e oceanos estão presentes no nosso dia a dia, e que tipo de tecnologias ainda podem chegar até os lares de milhões de pessoas se esses recursos forem explorados de maneira correta.
Potencial biotecnológico
O Brasil possui 8.500 km de faixa litorânea, e um território marítimo de aproximadamente 5,7 milhões de km2. Conhecido por sua beleza tropical e forte apelo turístico, nosso litoral abriga ainda uma rica biodiversidade, com um potencial biotecnológico imensurável. Apesar de ser um termo conhecido por cientistas e investidores o que de fato significa “potencial biotecnológico” ?
Para entendermos melhor, podemos citar alguns produtos já disponíveis no mercado e que provavelmente você já utilizou no dia a dia.
Neste sentido, a ciência pode guiar a utilização consciente dos recursos do mar, desenvolvendo a sociedade sem adoecer nossos oceanos.
Por exemplo, o ágar-ágar é uma substância extremamente gelatinosa extraída de diversas espécies de algas marinhas. Esta substância é muito utilizada na indústria alimentícia, para o preparo de bolos, gelatinas e sorvetes.
Para além da culinária o ágar extraído de algas marinhas tem sido bastante utilizado durante a pandemia provocada pelo novo coronavírus, visto que o teste padrão ouro para a detecção do vírus em amostras biológicas, popularmente conhecido como RT-PCR (reação em cadeia da polimerase) utiliza o gel de agarose como parte do aparato necessário para a realização do teste. Além disso, o desenvolvimento dos testes RT-PCR só foi possível graças a identificação de uma enzima produzida por bactérias marinhas, encontradas em fontes termais nas profundezas do oceano. Com essa tecnologia podemos detectar tanto o novo coronavírus, quanto outros tipos de vírus como o HIV.
Alguns suplementos alimentares também são provenientes de organismos marinhos, como os ácidos graxos Ômega 3 e 6 extraídos de peixes e algas, e a Spirulina, espécie de alga marinha. Para além dos suplementos, o estudo de organismos marinhos também possibilitou a descoberta de medicamentos para o tratamento do câncer, como o Aplidin®, inspirado em substância encontrada na espécie de pepino-do-mar Aplidium albicans.
Diante desses exemplos, podemos dizer que o potencial biotecnológico é a capacidade que um organismo possui de produzir substâncias que poderão ser transformadas em produtos e então utilizadas para melhorar a nossa qualidade de vida.
No entanto, para que essas tecnologias saiam dos laboratórios de pesquisa e cheguem a todos, são necessários investimentos massivos em Ciência e Tecnologia. Através desses investimentos, os cientistas são capazes de comprar equipamentos e reagentes para realizar suas descobertas e as universidades, institutos de pesquisa e agências de fomento como CNPq e CAPES podem formar mais pesquisadores (mestres e doutores) para desempenhar as pesquisas.
Neste sentido, a ciência pode guiar a utilização consciente dos recursos do mar, desenvolvendo a sociedade sem adoecer nossos oceanos.
Em busca de novos medicamentos
O estudo dos Produtos Naturais é uma área multidisciplinar que tem como objetivo estudar as substâncias produzidas por organismos vivos (plantas, fungos, bactérias, algas marinhas, insetos etc.) e investigar seu papel ecológico e seu potencial biotecnológico.
Regiões remotas e geladas como o continente Antártico continuam sendo menos exploradas.
Nas últimas décadas tivemos grandes avanços no estudo dos Produtos Naturais de origem Marinha, principalmente após o advento das tecnologias de mergulho, o que possibilitou a coleta de organismos do fundo oceânico. No entanto, esses estudos continuam concentrados em regiões tropicais ou subtropicais. Regiões remotas e geladas como o continente Antártico continuam sendo menos exploradas.
Apesar das temperaturas congelantes e paisagens tomadas pelo gelo e neve, estas regiões abriram diversas formas de vida, muitas delas ainda desconhecidas pela ciência. O ambiente marinho Antártico abriga muitas espécies endêmicas, ou seja, que só podem ser encontradas naquela região. É o caso das macroalgas, que ao longo da sua evolução se adaptaram as condições extremas do ambiente.
Essas macroalgas são capazes de resistir ao congelamento, escassez de luz solar (durante o inverno), alta incidência de radiação ultravioleta (durante o verão), constantes alterações de salinidade devido aos ciclos de congelamento e degelo e a pressão da herbivoria. Para isso, as macroalgas desenvolveram diversas estratégias de defesa, incluindo regulação de fluidez de membranas, mecanismos de reparação de danos ao DNA, produção de substâncias protetoras e podem se associar a microrganismos, como os fungos marinhos.
O Laboratório de Química Orgânica do Ambiente Marinho, coordenado pela Profa. Dra. Hosana Maria Debonsi tem se dedicado a desvendar a química das macroalgas antárticas e dos fungos marinhos associados a elas.
Os estudos dessas substâncias, podem contribuir para entender os mecanismos de adaptação desenvolvidos por esses organismos, sua importância ecológica e ainda contribuir para a descoberta de novos medicamentos e desenvolvimento de cosméticos.
Durante o meu doutoramento, tenho me dedicado a estudar a macroalga endêmica Phaeurus antarcticus e os fungos endofíticos associados a ela. Meu projeto envolve identificar o perfil de substâncias produzidas pela macroalga e pelos fungos e avaliar seu potencial biotecnológico.
Essas substâncias podem servir de protótipos para o desenvolvimento de novos medicamentos para parasitoses como a leishmaniose, doenças autoimunes como lúpus, e ainda incorporadas em formulações cosméticas, como fotoprotetores.
*Gustavo Santos
Doutorando no Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas com ênfase em Produtos Naturais e Sintéticos na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo – FCFRP-USP.